Artigos da Revista do Cinema Caipira - Robert Bresson


Este artigo trata de uma tentativa de se criar uma postura "atoral" para o nosso cinema (Cinema Caipira) através de algumas oficinas que chamamos de filmes ensaios, são chamados assim por não ter a preocupação do filme fazer necessariamente algum sentido imediato (ou até mesmo algum sentido); e por ser apenas um foco de estudo e pesquisa.


UMA ADAPTAÇÃO DE ROBERT BRESSON AO CINEMA CAIPIRA
Por Fernanda Tosini




O novo projeto desenvolvido nas oficinas semanais do Grupo Kino-olho trás como tema de estudo e prática o estilo do cineasta Robert Bresson. Um dos pontos de exploração refere-se ao modo como o cineasta trabalha com o ator. Para ele, o ator deve carregar em si certa neutralidade, o comportamento e a ação de gestos devem ser sutis e a dramaticidade imparcial. Talvez esteja aí a dificuldade maior ao interpretar de modo objetivo e desprovido de formas, se distanciando do caricato comum. Para Bresson o ator ideal serve apenas de instrumento, portanto o diretor consegue trabalhar melhor com atores inexperientes que não agem em cena representando protótipos banais.
Para o diretor o ator “modelo” é aquele que não peca pelos excessos. A atuação concisa, distante da encenação marcada por uma realidade simulada, traduz-se em gestos substanciais conduzidos por um olhar atento nas proeminências do imperceptível. O estranhamento resultante desse novo olhar denuncia o frescor e o “efeito de amadorismo” dos atores.
A questão não é assemelhar-se, mas assumir um estrangeirismo nos movimentos. Perceber a maneira silenciosa do visível, a quietude das coisas ao dar atenção ao minimalismo, transbordar a passividade sobre tudo (objetos, fatos, movimentos) ao mesmo tempo em que tudo é percebido, um “não saber agir” diante do novo, mesmo que o novo seja um mero pormenor. O aprofundamento no ator como protagonista central (não do filme, mas da fleuma) é o processo atual que o Grupo Kino-olho desenvolve através dos filmes-ensaios produzidos semanalmente.
O cineasta João Paulo Miranda adapta a técnica de Robert Bresson ao seu próprio estilo acrescentando à
neutralidade do ator a “simplicidade caipira” própria dos artistas interioranos. Arrisca ainda mais ao querer tornar
consciente para os atores essa “inexperiência” em cena que passa a ser provocada e não involuntária. Assoma ao
jeito minimalista a forte característica do rústico, valorizando a espontaneidade do “ridículo”, não enquanto
tipo e sim enquanto abordagem natural dos próprios atores ao se manifestarem em cena.
Transcrever Robert Bresson num cenário interiorano e brasileiro seria imitá-lo, ir contra o próprio preceito ao qual ele acredita (imitar só emerge ao falso), mas seu caráter questionado e dissolvido num contexto regional respeitado pelo cineasta J.P. Miranda leva à defesa das raízes que não devem ser rejeitadas, ao contrário, neste exercício cabe muito bem aproveitá-las. A provocação sugerida pelo cineasta é desprezar os cacoetes maneiristas da interpretação dramática anulando o exagero da expressividade, mas ao contrário de Bresson, que buscava atores sem vícios, J.P. Miranda trabalha com atores com formação teatral - Cia. Quanta de teatro – enfrentando um desafio ainda maior. Apresenta a eles o antagônico a qualquer hábito dramático, levando o próprio ator a perceber-se e não a transformar-se.
Para os atores esse processo abre espaço para a revisão da própria performance, mesmo se tratando de dois diferentes meios de atuação (teatro e cinema – principalmente aos moldes de Robert Bresson), de sua mecânica versus a sua consciência, do demasiado ao reduzido, da aleatoriedade à seleção. Talvez os atores de Bresson não tivessem espaço para essa reflexão, mas os atores de J.P. Miranda têm condições de promover essa análise mesmo sobre o aparente ínfimo. Trabalhar com atores “modelos” não é a única característica de Robert Bresson a ser estudada pelo Grupo Kino-olho, sobre o cineasta vale a pena conferir a importância que ele atribui à sonoridade num filme, esta é outra particularidade do diretor interessante para se conhecer, quem sabe num próximo artigo...

Revista do Cinema Caipira Número 5 - Julho de 2009


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